Doenças
Infecção Urinária na Infância
As infecções do trato urinário (ITUs) são comuns durante a infância. Estima-se que até os 8 anos de idade, 7 a 8% das meninas e 2% dos meninos apresentarão pelo menos um episódio de infecção urinária. A maneira como a infecção urinária irá se manifestar dependerá da idade do paciente e o nível da infecção (envolvimento do rim ou limitada à bexiga).
As infecções urinárias com febre apresentam maior incidência durante o primeiro ano de vida em ambos os sexos. Porém as ITUs sem febre ocorrem predominantemente em meninas, com mais de 3 anos de idade, após a retirada das fraldas. A presença de febre aumenta a probabilidade de envolvimento do rim e pode estar associada a mal formações urológicas congênitas e com um risco maior de formação de cicatriz renal como sequela da infecção.
Os sinais e sintomas de infecção urinária dependem da idade da criança. No entanto todo lactente até os 2 anos de idade com febre de origem indeterminada deve ser avaliados para a presença de infecção de origem no trato urinário. Alguns médicos recomendam que nos primeiros meses de vida, mesmo na presença de um sítio determinado de infecção, que se faça a cultura da urina rotineiramente, pois até 3,5% das crianças com outras infecções podem ter ITU concomitantemente.Durante esta fase da vida, não existem sinais e sintomas específicos de infecção urinária.
As crianças maiores, mas que ainda não estão treinadas para o uso do banheiro podem apresentar febre, irritabilidade, diminuição do apetite, vômitos, diarréia e prostração.
Aquelas que não usam mais fraldas manifestam queixas mais localizadas sobre o trato urinário como disúria (dor para urinar), dor supra púbica, incontinência de urina diurna, enurese noturna secundária, dor lombar ou na abdome.
A Escherichia coli é a bactéria responsável por 75-80% dos episódios de ITU na infância. Os meninos são infectados por Proteus sp em 30% das vezes.
Acredita-se que as ITUs associadas a cicatrizes renais, sejam causadoras , a longo prazo, de considerável morbidade, como o surgimento de hipertensão arterial, insuficiência renal crônica e pré-eclampsia.
Diagnóstico
Diante de uma criança com febre e suspeita de infecção do trato urinário o diagnóstico rápido é de extrema importância, pois permitirá que a introdução do tratamento correto previna a lesão renal.
EXAMES COMPLEMENTARES
Exame de Urina/Urocultura
A coleta da urina em crianças sem o controle esfincteriano deve ser feita através de cateterismo vesical ou punção supra púbica. As culturas de urina realizadas na urina de crianças menores, coletadas por sacos coletores, tem alta probabilidade de falsos positivos uma vez que, por melhor que seja a higiene local, representa a flora perineal e intestinal. Ou seja, podem não representar verdadeiramente a urina da criança.
Crianças maiores, que não usam mais fraldas, após higiene local adequada e nos meninos não circuncisados, após a retração do prepúcio, poderão coletar o jato médio da urina.
As culturas de urina demoram em torno de 72 horas para ficarem prontas. Mas a análise inicial da urina, conseguida em poucas horas, embora não seja definitiva para confirmar o diagnóstico é de grande importância, pois permitirá ao médico iniciar o uso de antibiótico ou observar o paciente por mais tempo.
Ultrassonografia
A ultrassonografia é um exame não invasivo e deve ser realizada após o diagnóstico de infecção urinária febril, pois pode revelar anormalidades anatômicas como hidronefrose ou megaureter, espessamento da parede da bexiga, ureterocele ou mesmo rins displásicos. A ultrassonografia não mostra a presença de refluxo vésico-ureteral, mas poderá sugerir a presença de cicatrizes renais (1,3).
Um estudo recente e uma revisão sistemática mostraram que aproximadamente 70% das anomalias renais e do trato urinário são detectados no período antenatal, durante o segundo e terceiro trimestres de gestação, em ultrassonografias de rotina. (5)
Uretrocistografia
A uretrocistografia necessita a cateterização da bexiga da criança e a instilação de contraste, além da exposição da criança à radiação. Embora existam muitas controvérsias a respeito deste exame, ele continua sendo o padrão ouro para a detecção e classificação do refluxo vésico-ureteral.
O diagnóstico de pequenos graus (I – II) de refluxo não tem muito valor prático, de modo que a indicação formal para a realização da uretrocistografia seja mais selecionada, em busca do diagnóstico de graus maiores de refluxo, ou mesmo mal-formações uretrais masculinas. Sendo assim, a realização do exame deve ficar reservada aos casos com alteração à ultrassonografia antenatal ou pós-natal, alterações no jato de urina, ou repetidas infecções urinária febris que ainda não tenham realizado o exame contrastado.
Cintilografia renal com DMSA
A realização de cintilografia renal com DMSA-Tc99m (ácido dimercaptosuccínico) tem papel importante, pois permite a avaliação da função do parênquima renal e a existência de cicatrizes após o quadro infeccioso. Não existe evidência que este exame seja importante durante a fase aguda da pielonefrite. Também não existe consenso quanto ao intervalo de tempo necessário, após o episódio agudo, para a realização da cintilografia renal com DMSA visando a detecção de cicatrizes renais. Muitos autores preconizam que um período entre 3 e 12 meses após a infecção ter sido resolvida seria adequado.
TRATAMENTO
A aborgagem terapêutica da criança com infecção urinária febril requer diagnóstico e tratamento precoce a fim de prevenir o surgimento de cicatriz renal.
Na maioria das crianças maiores de 1 mês de vida o tratamento por via oral mostrou-se eficaz. A Associação Americana de Pediatria (AAP) recomenda que a escolha da via parenteral (endovenosa ou intramuscular) deve ser reservada aos pacientes gravemente enfermos, em mal estado geral ou desidratados ou aqueles que tem problemas para engolir a medicação. A eficácia das diferentes vias de administração é a mesma.
O período de tratamento varia de 7 a 14 dias. Os esquemas de tratamento por períodos curtos, menores do que 5 dias, se mostraram ineficazes no tratameto da infecção urinária crianças.
A escolha do antibiótico dependerá do teste de sensibilidade realizado durante a cultura de urina e também às características de resistência antimicrobiana da instituição ou região . No entanto as drogas mais utilizadas para o tratamento domiciliar são as cefalosporians, a amoxacilina/clavulanato e a sulfametoxazol-trimetoprina. Agentes que são excretados na urina mas que não alcançam boas concentrações na corrente sanguínea, como a nitrofurantoína, não devem ser utilizados na infecção urinária febril porque as concentrações do antimicrobiano no parênquima renal serão insuficientes. Quando o tratamento endovenoso é recomendado, nenhuma droga se mostrou mais eficiente do que a outra para o tratamento destes pacientes. As cefalosporinas ou os aminoglicosídeos são igualmente usados na prática pediátrica.
Antibioticoprofilaxia (antibiótico prevenção)
Estima-se que entre 5 a 15% das crianças com infecção urinária febril irão desenvolver cicatrizes renais. Como a cicatriz renal é um fator de risco para a subsequente hipertensão arterial, a prevenção da infecção urinária está em constante debate.
O objetivo da profilaxia é manter uma dose baixa de antibiótico na bexiga para impedir o crescimento bacteriano e a consequente pielonefrite. Entretanto há um aumento da possibilidade de desenvolvimento de resistência aos antibióticos da flora intestinal e orofaríngea (6).
Entre 2006 e 2010 alguns estudos prospectivos compararam antibioticoprofilaxia com tratamento expectante. A partir destes estudos considera-se pouco eficiente a profilaxia nas crianças sem refluxo ou com graus baixos de refluxo vésico-ureteral( I e II) visto que os índices de reinfecção ficam em torno de 3 a 8% por ano sem a profilaxia. Nas crianças com graus de refluxo alto (III a V), que tem índices de reifecção entre 28 e 37%, a profilaxia parece ser apropriada. Não existem dados que determinem por quanto tempo deve ser administrado o antibiótico como prevenção.
Tratamentos complementares
Crianças com infecção urinária de repetição podem apresentar causas bem definidas como refluxo urinário , incoordenação miccional (dificuldade de esvaziar a bexiga por aprendizado inadequado), fimose no caso dos meninos, etc. Uma vez detectada a causa específica da infecção de urina, direciona-se o tratamento para este problema.
O refluxo vésico-ureteral pode ser corrigido cirurgicamente através de cirurgia aberta ou tratamento endoscópico. Os refluxos primários de mais baixo graus (I-III) rotineiramente não necessitam de qualquer intervenção porque tem um alto índice de resolução espontânea. Entretanto aquelas crianças com altos graus de refluxo (IV-V) e presença de cicatrizes renais tem forte indicação de tratamento cirúrgico. Aqueles pacientes com infecções febris de repetição mesmo em esquema de antibioticoprofilaxia devem ser levadas ao tratamento cirúgico.
Os distúrbios miccionais não neurogênicos (disfunção miccional ou hiperatividade vesical) quando reconhecidos devem ser prontamente encaminhados para o tratamento. Assim como a constipação intestinal que pode estar associada a estes distúrbios ou apresentar-se isolada. O tratamento da constipação é imprescindível para a resolução do quadro urinário .
A circuncisão também beneficiará os meninos por reduzir o número de infecções urinárias. Este benefício é maior naqueles meninos com altos graus de refluxo vésico-ureteral.
BIBLIOGRAFIA
1- White, B. Diagnosis and Treatment of urinary Tract Infections in Children. American Family Physician, vol. 83, number 4. February 15 2011.
2-Ehsanipour, F., Gharouni, M., Rafati, A.H., Ardalan, M., Bodaghi, N., Otoukesh, H. Risk factors of renal scars in children with acute pyelonefritis. Braz J Infect Dis. 2012; 16(1):15-18.
3-Montini, G., Tullus, K., Hewitt, I. Febrile Urinary Tract Infections in Children. N Engl J Med 2011; 365:239-50.
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5- Subcommittee on Urinary Tract Infection,Steering Committee on Quality, Improvement and Management: Urinary Tract Infection: Clinical Pratice Guidline for the Diagnosis and Management of the Initial UTI in Febrile Infants and Children 2 to 24 Months. Pediatrics 2011;128;595-610.
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